sexta-feira, 29 de agosto de 2014

CAPITULO QUATRO: MISSÃO




O Makay é um mundo maior do que você pode imaginar. Digo isso com propriedade, afinal sou morador daqui. Existem camadas maiores, menores, camadas dentro de outras camadas onde habitam criaturas microscópicas – algumas destas são destruídas diariamente com um simples pisar dos pés, por criaturas que nem fazem ideia de sua existência. Por falar nisso, desde o momento em que nosso bravo herói Sharpedo Dealexo começou sua jornada, o mesmo pisou em cinco dessas camadas microscópicas, destruindo a vida de cerca de dois bilhões de criaturinhas em cada uma delas. Ao mesmo tempo, já foram criadas duas novas camadas através de fatores naturais, como a rotação espiral da estrutura do Makay – algo como terremotos na terra. Outras três foram destruídas devido a batalhas, conflitos internos, e ao acasalamento de dois besouros extraordinariamente gigantes, que espero que nossos heróis não se deparem com nenhum durante a jornada. 

Há uma camada em especial muito secreta onde uma antiga família de assassinos instalou-se, talvez há centenas de anos, e fez dela sua fortaleza. Não se sabe exatamente onde está situada na estrutura do Makay. Alguns conspiracionistas apontam as camadas mais rebaixadas e frias como o lar dessa família. Dizem que, no lugar de grama, crescem espinhos em seu chão que são regados diariamente com o sangue de várias criaturas que são ceifadas dia após dia pela família e o que sobra desse sangue escorre na forma de um longo rio pútrido que cheira a morte e desgraça, desaguando na forma de uma cachoeira por uma das saídas do Makay em direção ao espaço. As crianças que ali nascem aprendem a arte do assassinato antes mesmo de aprenderem a escrever. Com o passar dos anos, se especializam em uma determinada arte de matar dos mais variados jeitos possíveis (alguns tão medonhos que tenho até medo de escrever e causar traumas a quem poderia estar lendo). Uma dessas crianças vindas desse local tão profano e obscuro partiu em uma missão para obter a aprovação de seu clã. Um rito que cada membro da família deve passar para mostrar que é digno de receber o ofício de assassino. O caso dessa criança era especial, pois ele possuía sangue real em suas veias e seria o herdeiro daquele lugar um dia, então, por precaução, a lei exigia que alguém experiente o acompanhasse na sua missão.
 - Tael, seu bostinha! O que eu falei sobre se aproximar de outras pessoas durante a missão? – Gritou um Yokai de pele esverdeada com algumas escamas pelo corpo.
- Desculpa, Tio... Eu só queria conversar com o tubarãozinho. 
Tael desce, ainda em forma de pombo, e faz reverência ao seu tio.
- Vamos, saia dessa forma e continuemos nossa caminhada. Já me livrei de todo o rastro que você deixou. Para sua sorte não precisarei matar aqueles dois.
- Está bem, Tio. Não irá se repetir! – responde Tael, voltando à forma de Yokai.
Essa criança era Tael Uzumaki e o homem que a acompanhava era Noel Uzumaki, ambos do clã Uzumaki.
 Vinham de uma jornada que já durava um mês. Eram assassinos ágeis e velozes e deslocavam-se como a luz ao amanhecer. Em questão de segundos, já estavam muito a frente daquela camada onde Sharpedo estava.
Na saída da camada havia um grupo de aventureiros prestes a descansar depois de um dia árduo de trabalhos. 
- Olha, Tael... Tem uns vacilões ali... Por estarem descansando na saída da camada, já devem ter conseguido o que queriam. Vai lá e rouba eles!
- Tá bom, titio... Vou tirar onda desses puto mesmo.
Tael transforma-se em pombo e desloca-se para perto do bando. Aparentemente, tratava-se de um grupo de nível mediano. Sem ninguém especialmente forte e notável que pudéssemos mencionar aqui, com exceção de um ladino que vigiava as barracas enquanto os demais dormiam. Tael nasceu no meio de muita gente ruim, e podia ver de longe que aquele cara era diferente dos outros. Pousou em um galho atrás das barracas, tudo estava indo conforme planejado em sua mente, sem chamar a atenção do vigia, transformou-se em Yokai e aproximou-se das barracas. 
- Vou começar fazendo o ''cata'' nos que estão dormindo – pensou ele. 
Para sua infelicidade, os pálidos homens não tinham nada em seus bolsos. 
- Mas que bela bosta... Esses retardados não têm nada. Vou tentar pegar o que der dentro das barracas.
Enquanto passava entre os corpos, acidentalmente pisou nas bolas de um gordinho que dormia. ''Fudeu'', pensou ele, esperando que o mesmo gritasse de dor e acordasse a todos. Para sua surpresa, o gordinho nada fez, e isso chamou a sua atenção.
- Acho que esses caras estão pálidos demais pro meu gosto...
- Sim, eles estão! – Fala o vigia, que estava esperando para realizar a emboscada.
Tael transforma-se em pombo para fugir e no exato momento em que faz isso, o ladino puxa de seu casaco uma besta armada com uma rede de espinhos. Atira na direção do pombo e o captura. 
- Filho da mãe. Por que não estou conseguindo quebrar essas correntinhas?
- Poupe-se do trabalho de tentar quebrá-las... São mágicas! Então quer dizer que você se transforma em pombo? Nem acredito que capturei um Uzumaki! A grana que pagam pela sua cabeça nem se compara ao tesouro que eu roubei desses caras aqui... Hahahaha!!
- Você não só os roubou como também os matou... Logo vi que você era um cara mau.
- Xiu ai, manezão. Tu ia dar o bote e acabou tomando ele... Hahaha! Mas eu não te culpo por isso. Afinal, você é apenas um amador.
Dito isso, uma adaga prateada atravessa o peito do ladino, de maneira que nem mesmo Tael poderia esperar. Era Noel Uzumaki, que misteriosamente aparece nas costas do bandido e lhe defere um ataque furtivo. Rapidamente retira mais três adagas de sua mochila, o derruba no chão e encrava as mesmas em seus membros, a ponto de prendê-lo naquele lugar.
- Você ainda vive mesmo após eu dilacerar o seu coração, quem és tu? – Grita Noel.
- Eu sou um velho experiente, Noel... – Responde o ladino, com olhar sádico. – Então vejo que agora são dois Uzumakis, o dobro do valor!
Noel pega a rede com Tael dentro, toma distância e joga mais duas adagas no corpo do ladino preso ao chão. Dessa vez, ele mira uma no meio do peito e outra na barriga. As adagas encravam e começam a brilhar, como se aquelas posições fizessem parte de um ritual. Retira Tael de dentro da rede e ele volta à forma de Yokai.
- Tio, desculpe pelo descuido. Por favor, não relata ao papai! Por favor, por favor, te imploro! 
- Tael, você não teve culpa, esse cara não é quem aparenta ser... Mas eu que não pago para ver.
Retira então uma última adaga, essa tinha cor amarela, parecia ser banhada a ouro, e a lança para o alto, mais especificamente para cima do corpo do ladino no chão. Esta última toma distância, indo na direção do sol. Após um tempo, desce na forma de uma bola de fogo gigante.
- PUNIÇÃO DO DEUS DO FOGO! – Grita Noel.
Seu ataque acerta em cheio o corpo do ladino, como se este tivesse se tornado um alvo depois daquele ritual. Seu corpo começa a ser obliterado em chamas e Tael consegue observar alguns de seus ossos entrando em combustão enquanto seu sangue evaporava. 
- Titio, você usou um dos seus ataques mais poderosos. Você vai ficar cansado agora... Isso foi realmente necessário? – Pergunta Tael, apreensivo com aquela situação. 
- A adaga de prata que perfurou o coração dele finda a vida do oponente, seja ele quem for. É a habilidade dela. Foi-me dada por meu irmão, seu pai, para que pudesse usar numa situação de risco real envolvendo VOCÊ. Eu acertei o coração dele e, mesmo assim, o filho da puta continuou respirando – responde Noel, expondo certo nervosismo. 
Ignoraram o tesouro que havia naquele acampamento de homens mortos. As adagas jogadas por Noel no começo evaporaram e reapareceram em sua mochila. Apagaram seus vestígios e fugiram imediatamente. 

Quando já haviam sumido no horizonte, sem deixar pistas, o corpo carbonizado do ladino começa a se mexer. Uma cena grotesca, como naqueles filmes apocalípticos de zumbis que exibem num planeta chamado Terra (em outra dimensão). Ele devora os corpos dos homens que havia matado antes de forma canibalesca e, à medida que consome a carne deles, seus órgãos começam a se regenerar, assim como seus músculos e por fim sua pele. 
- Que sorte a minha... Dois Uzumakis saíram do ninho... 454HAHhhahahHA4454HEHheHEHehHSHAHah
O assassino começa a andar em passos leves em direção ao horizonte, e sua risada fica mais sádica e alta a cada passo dado.


(...continua?)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

CAPITULO TRÊS: A PRÓXIMA CAMADA


O caminho que vinha adiante, diferente do que pensei, estava rodeado de grama e flores silvestres. A presença daquele homem certamente trouxe bonança a essa zona que, antes habitada pela sombra da morte, agora exalava a mais pura essência da vida. Carreguei o corpo de meu irmão em cima da Srª Relâmpago Bravo, o qual estava em um estado de sono profundo. Passaram-se três dias, meu irmão ainda não havia acordado e não havia nenhum sinal de risco ao nosso redor. Já estávamos à beira da entrada da próxima camada, a qual chamavam de Arkhmondú. Era uma região de clima tropical e assim como a camada abaixo  era rodeada de florestas densas. Servia de moradia para algumas bestas selvagens, não tão perigosas quando o Demônio das Fendas que encontramos. Não possuía nenhuma cidade ou aldeia e de tempo em tempo alguns grupos de elfos montavam acampamentos por ali para ensinar aos jovens a arte da caçada. O ar dentro da passagem ia ficando cada vez mais intenso, respirar ia ficando cada vez mais fácil à medida que subíamos, até que finalmente posso ver a tão esperada luz no fim do túnel:

     – Finalmente, Arkhmondú! – comemoro. – Veja, Srª Relâmpago Bravo, aquela ali é a saída!

Comemoro sozinho, e não é por menos. Jamais havia atravessado uma camada em toda a minha vida, principalmente nessas condições. Não havia me dado conta, mas meu irmão despertou de seu sono profundo e bocejava como uma criança:

Aaah!! Que cochilo bom...
Irmão, você dormiu por três dias, após ter sido quase morto. Não lembra?
Ah, eu tenho uma vaga lembrança de meu sonho. Lutei contra um demônio das fendas e o expulsei para o mais longo abismo, para que nunca mais ousasse mexer comigo, com Srª Relâmpago bravo ou com meu irmão Sharpedo. – respondeu Barthô, sem se lembrar de nada do que havia acontecido de fato.
Meu irmão, nós realmente encontramos com esse demônio das fendas, mas acabamos sendo salvos por um homem que mais parecia um santo – respondi.
Tem certeza, meu irmão? A propósito, onde está a minha espada?

Com calma, expliquei tudo que havia acontecido. Sua mente se embaralhava de dúvidas à medida que eu ia relatando o breve fato ocorrido. E como se não tivesse sido nada demais, continuou sorrindo. Pulou das costas da mula e disse:

Sou agora, então, um guerreiro sem espada – e riu.

Meu irmão tem vento em sua cabeça, só pode. Enfim, a camada a qual nos dirigíamos estava logo acima. Passado o susto, o que viesse seria fichinha. Armamos uma barraca temporária, elaboramos algumas armadilhas para capturarmos alguma coisa para comer. Nem só de frutinhas vermelhas vive um tubarão, e eu particularmente já estava ficando louco com aquela dieta vegetariana. Mal poderia esperar para rasgar com meus dentes carne vermelha, de algum coelho, algum veado, ou qualquer outra criatura que não tenha suas células constituídas pelo mesmo material dos vegetais.  Isso me fez lembrar também que há muito tempo eu não tomava banho. Minha pobre pele de tubarão estava totalmente ressecada, e eu precisava a todo custo tomar banho e hidratar o corpo por motivos óbvios.  Por sorte, paramos perto de um riacho que cortava a camada, e desaguava em um precipício não muito distante dali. A água que descia certamente ia direto para camadas inferiores, muito distantes, atravessando fendas como a que havíamos atravessado para chegarmos até aqui, e ia de encontro a algum grande oceano ou lago. Aposto que aquelas gotas que caiam sobre nós lá na fenda eram provindas de algum lençol freático que fazia parte desse riacho com sua nascente nessa camada. Como uma criança que se depara com uma montanha de doces, saio correndo em disparada e mergulho com alvoroço sobre as águas cristalinas. Aproveito e devoro alguns peixes que tiveram o azar de passar por ali. Não mencionei antes, mas, em contato com a água, meu corpo assume traços mais característicos de um tubarão. Minha barbatana aumenta de tamanho, minha cara se afina de forma leve, quase não dá para perceber; meus dentes aumentam consideravelmente, e minhas pupilas se contraem; meus sentidos ficam mais aguçados, posso sentir o cheiro de qualquer coisa a quilômetros de distância dentro da água, e de algumas a poucos metros fora dela também. E, a propósito, havia um cheiro muito forte fora dela, e era o de meu irmão. Fazia semanas, aposto, que ele não tomava banho. O mesmo se aproximou de forma sorrateira para observar-me no banho.

Barthô, venha! Aproveite a água! – proponho.
Sinto muito, irmão, mas vou espalhar mais algumas armadilhas pela vegetação. Diferente de ti, eu prefiro o sabor da carne assada, pretendo catar alguns gravetos e providenciar uma fogueira, pois em breve anoitecerá também – respondeu.
Conversa, irmão! Um banho não mata ninguém, e disso você está precisando.

Num pulo, saio da água como um torpedo, passando por cima de sua cabeça e me posiciono em suas costas: eu iria derrubá-lo na água. Como eu disse, dentro d’água sou um tubarão, e minhas habilidades aumentam de forma incrível. Enfim, não dava para ficar mais perto dele com aquele cheiro de estrume, não com o meu olfato aguçado de tubarão.

Hey, irmão! O que você pretende fazer? – perguntou Barthô, receoso.
Se Barthô não vai até o banho, eu trago o banho até Barthô. - e o empurrei contra o rio.
Você não deveria ter feito isso, seu tubarão idiota! – gritou enquanto caía desprevenido água abaixo.

Quanto drama para um simples banho. Algumas pessoas realmente não gostam de água, mas meu irmão já era o cúmulo. Em seguida pulo no rio, pois imaginei que ele temia água por não saber nadar. O rio não era tão fundo, mas também não era tão raso. Para qualquer eventualidade, eu, o tubarão, poderia salvá-lo. Mas ao entrar na água, não sinto mais o cheiro de meu irmão. Alguma coisa havia acontecido. O corpo do meu irmão, dentro d’água, começa a brilhar. Era um brilho que jamais havia visto antes, uma mistura de cores que o fez parecer um ser transcendental, como se fosse vindo de outra dimensão. Recuo instintivamente a fim de me proteger de qualquer reação inesperada, e saio da água em segundos, apavorado com a cena. O brilho parou, e das águas sai um corpo, que não era o de meu irmão. Seus cabelos eram longos e negros, sua pele havia perdido os pelos corporais, os seios estavam maiores, quadris mais largos e sim: era uma mulher. E muito bonita, por sinal.

Onde devo ter parado? Pelos deuses, que vida de merda! – gritou a mulher misteriosa, saindo da água.
Q-quem é você? – pergunto tomando distancia.
Oh, céus... Um homem tubarão. Seu nome é Sharpedo? – perguntou a mulher.
S-sim, como sabe quem eu sou? Onde está o meu irmão?
Ah, entendi. Você é o meu irmão gêmeo. Lembro que já ouvi falar muito de você, prazer, pode me chamar de BarthóX. Onde está a Srª Relâmpago Bravo? Hey, eu cheguei até aqui com uma mula, não cheguei?

Eu não entendia mais nada. O que merda estava acontecendo? Onde estava meu irmão? Seria ela outra irmã gêmea? Seríamos trigêmeos então?

Calma, Barthóx. Poderia me explicar, por gentileza, o que está acontecendo aqui? - pergunto em tom de insatisfação.
Olheee, irmãozinho... Não ouse falar assim comigo, ou eu arranco essa sua barbatana! Ou arrancaria um por um esses seus dentes? – e começou a pensar por um tempo em formas de tortura.

Então, ao ouvir a voz da mulher misteriosa, a Srª Relâmpago Bravo sai correndo em sua direção, do meio da vegetação, como se estivesse feliz em ouvir sua voz:

Nhyeeerr!!!!! Nhyeeeeeeer-hichic! - relinchava feliz da vida.

A mula pulou em cima de Barthóx, que rolou no chão com ela, fazendo carinho em sua barriga.

Que saudades de você, sua mula safadinha.
Por favor, tudo que peço é que me explique o que está havendo. – supliquei.

Barthóx, a mulher misteriosa e que usava as roupas de meu irmão, vem em minha direção, e pede para que eu me sente ao seu lado.

Meu irmão, como viveu longe de todo o resto da família, você realmente não imagina como as coisas funcionam nela. Não o culpo. Afinal, nosso avô, pai de nosso pai, preferiu criar ao menos um dos seus netos longe da loucura do Makay.
Continue, por favor. – pedi.
Então, Sharpedo, Eu sou Barthóx. Sou uma Dealexo, assim como você. Como você pode perceber você é um tubarão e eu sou uma mulher humana. Nossa família é amaldiçoada. Parte dela é constituída de raças miscigenadas com tubarões, assim como você. E alguns poucos nascem como humanos, que são os mais raros e que mais sofrem os efeitos genéticos da maldição de nosso ancestral: Fasina Dealexo.
Pera, Fasina Dealexo? O Atirador macabro do grupo de assassinos do bando Noyero? – interrompo-a. – Você só pode estar brincando.

Reza a lenda que outrora havia um assassino tão mal quanto o próprio Noyero. Ele era odiado por todos por seus atos demoníacos. Dizem que ele matava qualquer coisa que cruzasse seus olhos por puro prazer. Era louco, e tentava trazer sua loucura ao mundo em forma de chamas, morte e destruição. Ah, e ele sofria de uma maldição bizarra: mudava de sexo em contato com a água.

Então, meu irmão, digo, irmã, a maldição era verdade? Não, espera, quer dizer que o Dealexo em meu nome é real? Eu sempre imaginei que fosse uma homenagem, assim como tantos outros que carregam o nome de heróis ou vilões do passado por ai.
Sim, Sharpedo. Orgulhe-se ou apenas lide com isso. Para alguns de nossa família, isso é um fardo. Para outros, como eu, isso é motivo de orgulho. E, a propósito, como nasci humana, sofro da maldição da troca de sexo em contato com a água. – respondeu Barthóx.
Mas em todos os livros e registros que li durante minha vida, jamais achei algo como um filho que Fasina Dealexo poderia ter tido. E olha que eu sou fanático pelas histórias do Makay antigo.
Bobinho, muito do que você leu não passam de mentiras que foram lançadas ao longo da história. Acontecimentos ocultados e omitidos por eras, pelos homens que cultuavam os deuses que eram inimigos de nossa família. Enfim, estou morrendo de fome! Vamos espalhar algumas armadilhas por ai. Ou você já espalhou antes da minha chegada?

Minha mente estava muito confusa. Tudo acontecia de maneira muito rápida. A chegada de meu irmão (irmã), a destruição da minha camada, Barduk detonando um demônio das fendas que quase nos matou, e agora uma revelação desse nível! O que é a verdade? A verdade existe de fato? Entrei em depressão profunda só de imaginar que metade das coisas que li poderiam ser mentiras forjadas durante as eras.  E se foram invenções de alguns, tiveram seus motivos. O mundo todo, durante anos, foi enganado. Eu precisava me aprofundar nisso, sem dúvidas, mas agora eu estava muito curioso pelas histórias que minha irmã-irmão-humano tinha para contar.

Conversei com ela sobre a chegada de Barthô à nossa biblioteca, sobre a morte do vovô, sobre o incêndio e tudo o que mais havia acontecido até ali. Ficou impressionada com nossa aproximação recente de Barduk, e aparentou ter conhecimento sobre o mesmo. Preferi não contar que a mesma foi salva por ele, enfim. Diferente do comportamento mais imbecil da sua personalidade masculina, Barthóx era muito fria e dominadora. Adorava me dar cortadas e sempre que podia me obrigava a fazer certos favores para ela. A noite chegou silenciosa, quase não percebemos. Fizemos uma fogueira, e assamos carne de algumas bestas menores que foram capturadas pelas armadilhas espalhadas. Estava tudo uma delícia. Barthóx tomou a barraca toda para si, e me obrigou a dormir do lado de fora. Disse que precisava descansar sua beleza feminina, e que o homem da casa deveria fazer vigia a noite toda. Passaram-se algumas horas, e caio no sono.

Acordo com um grito ensurdecedor da minha nova companheira:

Sharpedo! Pedi para que vigiasse nossas coisas, mas acabou dormindo. Observe a merda que você fez! Homem só faz bosta, vai se foder.

Olho ao redor e percebo que havíamos sido saqueados.

Como assim? Eu teria percebido o cheiro de qualquer ameaça de longe, mesmo dormindo! – rebati.
É, mas tu é retardado, e deixou que roubassem tudo. Trate de arrumar a barraca, temos que achar indícios de quem ousou nos sacanear. – e enfiou-se mata adentro com a Srª Relâmpago Bravo.

Indignado com o ocorrido, obedeço-a. Sentia-me culpado, no fundo, pelo ocorrido. Ao terminar de arrumar tudo, aproveito o tempo sem aquele demônio histérico do meu lado para curtir meu habitat natural: a água. Mergulho no rio, e assim que minhas narinas são estimuladas pelo contato com a água, consigo captar um cheiro diferente a alguns metros de distância. Certamente foi o do miserável que nos roubou. Deve ter parado para descansar em alguma margem do rio mais adiante. Sem pensar duas vezes, começo nadar correnteza acima, em busca do suposto ladrão.  Eu estava certo, não cheguei a nadar tão longe assim, e já podia avistar duas criaturinhas. Pareciam ser dois tufões. Tufões são uma variação de Yokais menores. Possuem seu corpo constituído por uma pelagem que lembra muito folhas no chão, uma espécie de camuflagem natural. Três dedos em suas mãos e pés, sua cabeça lembra a de uma lagartixa com olhos de gatos. A maioria possui dois chifres pequeninos em suas cabeças, mas alguns podem possuir até três. Não costumam se misturar com outras raças e são conhecidos por suas habilidades de roubo silencioso.  Eles falavam no seu próprio idioma, e pareciam discutir. Havia alguns sacos de ouro ao lado deles. Provavelmente haviam saqueado algum lorde e pelo nervosismo com que discutiam pareciam estar sendo perseguidos. Decidi me aproveitar da desatenção dos dois para abocanhá-los (sim, eles eram realmente pequenos) e arrastá-los para o rio. Dentro d'água não teriam como fugir de mim. Aproximei-me da margem e, quando ia dar o bote fatal, uma adaga atinge o chifre de um dos tufões, e faz com que eles entrem em alerta. Um deles pega uma lança longa e lança contra a água. Exatamente, eles haviam me notado. Por sorte, a primeira lança passou de raspão, e eu consegui me livrar de todas as outras. No entanto, eu era uma presa fácil naquele rio de profundidade tão pequena. Começo a recuar temendo por minha vida, até que uma segunda adaga atinge a cabeça de um dos Tufões dessa vez. Assustado, seu parceiro tenta fugir com as sacolas do roubo, mas a adaga enfiada na cabeça do outro explode e espalha estilhaços ao redor, de maneira que acaba dando fim ao outro, e por pouco a mim também.

Ah, consegui! Finalmente! – uma voz fala do alto.

Olho para cima, e vejo um pombo descendo. Ele era branco e tinha uma mancha preta em seu olho esquerdo. De repente, uma fumaça o envolve, e ele torna-se um Yokai. Ele caminha em direção aos corpos, apanha o saco de moedas, e senta-se na margem do rio.

Tubarão, da próxima vez que tentar abater alguma presa, certifique-se que sua barbatana não está visível – disse o Yokai, em tom de riso.

Ele tinha razão. Eu teria sido morto no primeiro momento, se não fosse por ele. Num pulo, saio da água, e começo a me aproximar dele.

Era apenas um teste, só para ver qual seria a sua reação – menti.
Ah, então você percebeu mesmo a minha presença?  Preciso treinar mais então. Prazer, eu me chamo Tael, e há muito vinha seguindo o rastro desses dois. – pelo visto, ele caiu na minha mentira.
Eu me chamo Sharpedo, e estava atrás das coisas que eles haviam me roubado. Esse ouro era seu, Tael? – pergunto.
Não. Eu só estava esperando o momento certo para roubá-los. Ha-ha-ha!!!

Tael era um ladrão, e pelo que pude perceber também se tratava de um Metamorfo. Será que ele havia roubado nossas coisas, na verdade, e não os Tufões? Comecei a me preocupar, eu estava diante de um provável psicopata assassino. Tael junta os sacos de dinheiro e coloca-os dentro de uma bolsa menor, que parecia não ter fundo. Provavelmente um dos raros itens mágicos que existem no Makay.

Então, Sharpedo, o que você tem aí? – pergunta, enquanto fecha sua bolsinha.
Calma, Tael, eu estava atrás do que foi roubado por essas criaturazinhas. – respondi, dando alguns passos para trás, pronto para mergulhar no rio em fuga.
Sharpedo, está com medo de mim? Espere... – e foi interrompido por uma pedra que foi lançada em sua direção, tão veloz quanto uma bala.

Era minha irmã, que havia ouvido o barulho das explosões e foi na direção dele. Deve ter observado um pouco a conversa, e ao perceber que eu corria perigo, tentou me proteger. Tael assustou-se com aquilo, transformou-se em pombo e fugiu.

Seu idiota, não se afaste de mim! – gritou Barthóx.
Desculpe, eu só queria mostrar meu valor a ti, irmã.
Família em primeiro lugar. Vamos, antes que você se meta em mais encrenca.

Voltamos para o acampamento, e descobri que não havíamos sido roubados. Barthóx confessou que era sonâmbula. Quando dormia e entrava nesse estado, tornava-se também cleptomaníaca (tinha a ver com a maldição da família).  Já imaginava isso, por isso entrou no meio da vegetação após sua explosão de raiva ao acordar. Escondeu tudo em um local não tão distante dali. Organizamos nossas coisas, e continuamos nossa caminhada.



(Barthóx, perdendo suas bolas
ilustração: Felipe Jatobá-Chan)

Oi, se vc leu aqui, saiba que seu comentário é muito importante para mim! Ele me faz ficar feliz e me enche de alegria, 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CAPITULO TWO (DOIS EM INGLÊS) = TRAVESSIA

Acordo atordoado, com um gosto de cinzas na minha boca. Logo percebo que meu corpo está totalmente coberto por ela. Não só o meu, como também o de meu irmão e o da Srª Relâmpago Bravo. Trotando devagar, ela já deveria estar exausta. Pobre mula, tinha porte muito pequeno e carregava um homem e um tubarão em cima de si. A cena chegava a ser ridícula. Pela velocidade com que íamos em direção à saída da camada, deduzi que estávamos longe o suficiente para não sermos devorados pelo fogo que destruía tudo atrás de nós. A ficha ainda não havia caído, mas eu tinha perdido tudo em menos de dois dias: meu avô, minha biblioteca, meus amigos e todos os livros. Começo a chorar, e meu irmão dá a ordem para que Relâmpago Bravo parasse um pouco. Descemos juntos da mula, e sou acolhido com um abraço. Esse não foi como o primeiro abraço que recebi dele. Dessa vez era como se eu pudesse sentir o lamento dele por mim. Seguimos o nosso trajeto a pé, em silêncio. Não falamos absolutamente nada por um dia inteiro de caminhada. Paramos, talvez, umas três ou quatro vezes para colher alguns frutos e para que Relâmpago Bravo pudesse se alimentar. Revezamos horários para dormir enquanto caminhávamos: Eu descansava quatro horas de noite, em cima da mula, enquanto meu irmão guiava-nos, depois era a vez de Barthô, que insistia em descansar apenas duas horas enquanto era minha vez de guiá-los. Se acampássemos seríamos pegos pelo fogo. A caminhada à noite não foi difícil, pois o fogo clareava tudo, e fazia parecer uma noite de lua cheia, só que com um sol no lugar da lua. Confesso que achei aquela cena muito bonita. Após dois dias, finalmente chegamos a um dos acessos à próxima camada. Era uma fenda escura, fria e perigosa. Era uma subida íngreme, sem escadaria, coisa precária mesmo. Como havíamos juntado alguns galhos no caminho, improvisamos umas tochas, verificamos o estoque de comida, e entramos naquilo que mais parecia um convite para a morte.

– Barthô. – quebro o silêncio. – Esse caminho é seguro?
– Claro que não. – respondeu.
Acendemos as tochas e seguimos subindo. A estrada à nossa frente seguia reta (e sempre para cima), sem muitas obstruções, fendas ou monstros (por enquanto). Apesar de ter quebrado o gelo desde o incidente, ainda percebi que Barthô sentia-se culpado pelo que havia feito.
– Tudo bem, irmão. O que importa é que estamos vivos – falei.
– Não queria que tivesse sido assim, Sharpedo... Diferente de ti, eu nunca tive nada, e sou acostumado a não ter nada. Agora você está sem nenhum rumo para tomar. – desabafou. – Durante a viagem, estive pensando nisso o tempo todo. Mas meu irmão, eu te prometo, irei te levar para a camada dos mercadores. Yokais com o seu nível intelectual são raros no Makay, e, quando raramente aparece um, eles costumam ser bastante cobiçados por todos os grandes mercadores. Prevejo que irá ganhar muito dinheiro, e recuperar os seus bens.

Fiquei um pouco confiante. Realmente, eu tenho capacidade para crescer na vida. Acho que a biblioteca era o que me prendia no tempo. Sempre quis ter muito dinheiro e fazer sucesso. Dinheiro suficiente para comprar uma camada inteira.
– Irmão, muito obrigado. – respondi e sorrimos, nos abraçando mais uma vez. – Mas, irmão, como você conseguiu fazer aquilo com o verme púrpura?

– Aquilo o que? - falou surpreso.

– Oras, o que todos nós vimos. Você levantou sua espada, abateu o verme e depois tacou fogo de forma mágica nele.

– Ah... Acredita que não fui eu? Hahahahaha. – respondeu, e, ao ouvir isso, fiquei paralisado.

– COMO ASSIM NÃO FOI VOCÊ? – gritei de forma totalmente histérica.

– Ué, fui eu não. Tu acha mesmo que eu ia conseguir abater aquele bichão?

– Então, o que diabos você pensou que estava fazendo quando tomou a frente? Você poderia ter morrido, seu retardado!

– É... Poderia mesmo. Mas eu tinha um plano, que não precisei usar – completou.

– Que diabos de plano? Aliás, não quero nem saber. O que importa é: QUEM FEZ AQUILO? – gritei novamente.

– Irmão, eu poderia sugerir que voltássemos para investigar, mas seriamos mortos pelas chamas. – respondeu Barthô, retomando a caminhada com sua mula.

O tempo todo eu imaginei que o safado havia causado aquilo tudo. Confesso que estava confiante quanto à caminhada, imaginando que estava sendo escoltado por um guerreiro de poderes incalculáveis. Que merda! O medo tomou conta de mim, e senti vontade de voltar e me atirar ao fogo. Morrer queimado talvez fosse menos doloroso que ser abatido das mais diversas formas que podem ser usadas pelas criaturas que habitavam as fendas que separavam as camadas do Makay.

A caminhada iria durar aproximadamente uma semana. Isto é, claro, levando em consideração as pausas para dormir, comer e rezar aos deuses pela salvação da minha pobre alma de tubarão. Por falar nos deuses, existem muitos deles. Deus da força, da sabedoria, da vida, da morte. Cada qual com sua legião de seguidores. Existem registros nos livros da minha biblioteca, digo, EXISTIAM registros na minha BIBLIOTECA QUEIMADA de certos momentos na história do Makay onde os deuses desciam dos céus e travavam batalhas ao lado de criaturas tão poderosas quanto eles. Enfim, eu particularmente não sigo a nenhum deus. Reza a lenda que o lendário Noyero da espada da punição, aquele que eu havia falado antes, também não seguia a nenhum deus. Existem rumores que, há muito tempo atrás, foi criado por ele e sua facção sanguinária um templo para a adoração de deus nenhum. Foi o lendário Templo do Atheysmi, construído exclusivamente para zombar dos deuses. Imaginem o ódio dos deuses por eles. E, por incrível que pareça, ainda durou um bom tempo com seguidores em todas as camadas. Ninguém sabe ao certo como esses templos sumiram do Makay. No fundo, eu me sinto um pouco como Noyero e seu bando. Livres de quaisquer mandamentos loucos desses deuses mais loucos ainda. Enfim, já estávamos caminhando na escuridão há horas. Meu irmão tinha o costume de andar com uma pequena ampulheta, que foi peça fundamental para não perdermos a noção do tempo. O caminho ia ficando cada vez mais geoide, cheio de deformações, fendas, paredões, alguns morcegos, muito musgo e algo com cheiro estranho que eu esperava, do fundo do meu coração, que fosse apenas água pingando sobre nossas cabeças. Pelo cansaço, deduzimos que já era noite, e decidimos improvisar um acampamento, pois Srª Relâmpago Bravo também precisava descansar. Dormimos muito bem, apesar das condições ao nosso redor. Não houve turnos de vigia, estávamos igualmente acabados, apenas desmaiamos.

Seguimos pelos próximos dois dias de forma bastante tranquila. Os frutos que colhemos na viajem durariam o tempo certo até sairmos daquele lugar, o que nos deixava aliviados. Restavam mais quatro dias de caminhada, e tudo parecia estar bem. E era essa calmaria que me deixava louco. Após mais um dia de caminhada intensa, armamos o acampamento improvisado, como de costume, e mais uma vez dormimos todos de uma só vez, sem plantão de vigias como deveria ser feito. Acordo no meio da noite, com uma voz sussurrando no meu ouvido:

– Sharpedo, acorde. Eles estão vindo.

– Irmão? Quem está vindo?

Barthô acorda ainda sonolento, e diz:

– Eles quem? Tá doido? Não tem ninguém aqui.

Antes que eu pudesse fazer qualquer outra pergunta, o local onde estávamos, antes dominado por uma escuridão sem fim, foi rodeado por um clarão estrondoso, como se um raio houvesse caído um pouco mais a frente. Ficamos tão apavorados que nenhum de nós, nem mesmo a mula, ousou abrir a boca. Apenas nos escondemos em um amontoado de rochas que estava atrás de nós. Ficamos ali, paralisados e aterrorizados, por aproximadamente dez minutos. O silêncio agonizante ia sendo quebrado aos poucos pelo que parecia o som de pequenos raios menores daquele que ouvimos antes. De repente um vulto negro vem em nossa direção, como se houvesse sido abatido por alguma força maior mais adiante, e se esbarra nas rochas, perfurando-a como se fosse apenas lã.

– Meu irmão, o que foi isso?? – pergunto.

– Pelos deuses, eu não faço idéia! – responde Barthô.

– Fale mais baixo, meu irmão. Seja lá o que for, acabará nos detectando.

Mas parece que o medo que cercava o espírito do Barthô tinha durado apenas alguns segundos, logo o mesmo já estava tentando investigar de longe o que havia acontecido, com um sorriso leve em seu rosto. Antes que ele pudesse fazer alguma loucura, sentimos a temperatura cair mais do que o normal e de maneira súbita. O frio tornou-se tão intenso que podíamos ver a fumaça de nossa respiração no ar. Uma fumaça ainda maior saía da fenda que o vulto havia sido jogado. Uma mão esquelética apoiou-se em uma das partes da rachadura que havia criado com o seu impacto, mas seu corpo continuava coberto pelo breu. Pude notar que a parte da rocha que a monstruosidade tocou mudou de cinza para um azul-marinho, como se tivesse congelado e perdido a sua essência de pedra. Logo em seguida, um grunhido baixinho rasgou o ar, e do breu saiu uma entidade nefasta, vestindo um manto rasgado, cheio de falhas, e no lugar de pele em sua face, apenas o crânio rachado (talvez pelo impacto). O buraco em seus olhos era preenchido com chamas negras, que pareciam se fortalecer e ficar cada vez mais densas à medida que o grunhido que emitia aumentava. Estava claramente enfurecida. Pois é, estava calmo demais para ser verdade, mas que sorte ter um irmão guerreiro. Exato, foi uma piada. Mas, espera um pouco... Cadê o meu irmão? A presença aterrorizante daquela coisa foi tão grande que não percebi que o suicida havia se afastado e tinha se posicionado a alguns metros apenas da criatura, aparentando estar apenas esperando para pegá-la de surpresa. Nada pude fazer, temia que um movimento em falso que fizesse atraísse a atenção dela e ela arrancasse meus olhos, depois os de meu irmão. Mas ao reparar em Barthô, percebi que o idiota fazia uns gestos, como se estivesse planejando algo. Gostaria de não ter entendido nada, mas o que ele pedia era para que eu chamasse a atenção daquela coisa para que ele pudesse pegá-la por trás. Estava claro que eu não iria fazer aquilo, e não iria ser necessário que fizesse também, afinal, mal sabia eu, mas os gestos que ele fez não foram em momento algum para mim, mas sim para a sua mula, que estava do meu lado.

– Nhyyyyyyyyerrrrhirhirhirhi! – relinchou alto a Srª Relâmpago Bravo.

A criatura direcionou o seu olhar para a minha direção, e começou a andar de forma que parecia mais levitar, congelando tudo a sua volta.

– Nhyerrhihi-Nhyeerrhi-Nhy-Nhyyyrrrhihih! – a mula continuava provocando-a.

A fumaça em seu globo ocular parecia ficar mais pesada à medida que a mula relinchava de longe e o foco da sua ira tornou-se claramente ela e EU. Mas era isso que Barthô estava esperando, o momento perfeito de distração para que pudesse deferir seu golpe mortal. Segurou firme sua espada e investiu com tudo que tinha na direção do pescoço da criatura. O ataque foi efetivo. Tão efetivo que teria matado qualquer outra coisa que não fosse aquilo. Quando a lâmina de sua espada entrou em contato com a pele calcificada do pescoço do monstro, congelou instantaneamente, e aposto que teria congelado seu corpo se não tivesse soltado a espada a tempo. A criatura parou, e o foco de sua raiva mudou mais uma vez, dessa vez para o pobre de meu irmão, que estava desarmado e sem rota de fuga.

– Não teme a morte, humano? – disse a criatura, com uma voz nefasta.

– Não temo nada, babaca! – respondeu, sem medo, Barthô.

A criatura então encarou meu irmão nos olhos, e ele entrou em estado de transe. Seu corpo começou a levitar no ar, como magia, enquanto espumava um pouco pela boca. A fumaça negra que saia dos olhos da criatura começou a invadir os olhos e bocas de Barthô. À medida que a névoa ia penetrando, sua pele ia ficando cada vez mais pálida. Meu irmão estava morrendo. A Srª relâmpago Bravo surtou ao perceber a cena e começou a me encarar, esperando uma atitude. Não sabia o que fazer, estava desesperado, mas era o meu irmão. Deixei-me levar pela emoção mais uma vez. Segurei um pedaço de cascalho que estava perto de mim, montei na mula e tomamos carreira. Meu plano era acertar seu crânio o mais forte que eu conseguisse com a pedra em minhas mãos. No entanto, antes que pudesse chegar perto o suficiente da criatura, outro clarão ofusca a escuridão. O raio que rasgou as trevas a nossa volta acerta em cheio na cabeça da criatura, pulverizando-a instantaneamente. O corpo de meu irmão cai no chão, gélido e sem energia. Corro com a mula em sua direção, a fim de socorrê-lo. Seu coração estava praticamente parado, o sangue em seu corpo mal percorria suas veias. Era o fim, meu irmão estava morrendo.

A morte rondava nosso derredor, prestes a levar o espírito de meu irmão para o paraíso de seja lá qual for o deus a quem ele seguia. O corpo da criatura sumiu assim que o raio a atingiu, dela não sobrou nem as cinzas. O frio mortal que dominava o lugar foi coberto por uma brisa aconchegante e um calor que lembrava a primavera. Apesar de estar rodeado por rochas, era como se eu pudesse sentir os raios de sol tocando minha pele de tubarão, era uma sensação totalmente oposta à presença fria da criatura. Olho na direção de onde veio o raio, e de longe avisto um homem. Era um humano. Ele estava rodeado de um brilho natural que transmitia paz. Sua cabeça era careca, usava roupas simples e estava descalço. Além do brilho que ele emitia de forma que parecia natural, havia umas borboletas que pareciam acompanhá-los, atraídas talvez pela fragrância de flores que ele emitia, e que pude sentir de longe assim que o desespero foi escoado da minha alma. Foi a coisa mais bela e pura que havia visto em toda a minha vida. O homem aproximou-se andando, sorrindo, e falou:

– Um homem, um tubarão e uma mula contra um Demônio das Fendas. Quem diria?! Hahahaha.

Aproximou-se do corpo de Barthô, ajoelhou-se na sua frente, posicionou suas mãos em forma de oração, e começou a recitar palavras que nunca vi em vida e em livro nenhum.

– Pronto. Ele acordará em algumas horas. Comemorem a bravura deste rapaz sem hesitar – falou o humano.

E, realmente, após ter falado aquelas coisas, a cor de meu irmão havia voltado ao normal, e seu coração parecia bater mais vivo do que nunca!

– Você é algum tipo de santo? – perguntei.

– Eu sou apenas um homem. Pode me chamar de Barduk. – respondeu. – Se estão indo na direção aposto à minha, podem ir sem medo, não há mal nenhum a temer camada acima. E vocês? O que faziam por aqui sozinhos?

– Longa história... Mas se estiver descendo, melhor esperar mais um pouco, pois na camada abaixo só ha fogo e destruição. – comentei.

– Hahahaha. – ele sorriu. – Devo seguir minha caminhada, andarei acima do fogo se preciso, tubarão.

– Você é o guerreiro mais poderoso que eu já vi até hoje, Barduk. Obrigado por ter nos salvo – agradeci da forma mais sincera possível.

– Vocês que são guerreiros corajosos. Eu sou apenas um homem, como já disse. Bom, eu preciso seguir o meu caminho, espero encontrá-los novamente – e partiu sorrindo, tão lento quanto havia chegado.

E foi assim que conheci Barduk, o monge dos punhos de trovão.


(Figura: Sharpedo e Srª Relâmpago Bravo, indo em direção ao Demônio da Fenda.
Ilustração: Felipe Jatobá.
Ah, uma novidade: Felipe JAtobá será o ilustrador oficial do blogue. Esse desenho foi experimental, e não chegou a ser concluído. Em breve divulgo uns trabalhos do cabra. flw.)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Criaturas do Makay estão invadindo nosso mundo

O minha gente, eu tava andando com uns amigos no shop, quando uma bifurcação atemporal trouxe essas criaturas ao nosso mundo

A propósito, tô muito feliz com o feedback de v6. Quinta-feira tem capítulo novo. Flw kkkkkkkk'

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

CAPITULO UM: Tubarão e Homem

Eu sou Sharpedo Dealexo, venho de uma família de homens miscigenada com tubarões. Sou um escritor, mas meu coração é de um verdadeiro guerreiro. Nasci e me criei em uma grande biblioteca, uma das maiores em pelo menos 50 camadas mais próximas do Makay. Descobri que a ferida de uma espada pode matar o homem, mas o conhecimento pode banir o seu espírito para realidades totalmente desconhecidas. Isso não foi um provérbio, é algo que pode acontecer, de fato, literalmente! Assim como aconteceu com um dos demônios mais temidos de todo Makay em épocas remotas. Era chamado de “Noyero, a espada da punição”. Nasceu como homem e tornou-se demônio. Das poucas criaturas que já puseram seus pés em todas as camadas do Makay, Noyero era uma delas. No entanto, sua fama não se dava por ser um mero viajante, mas sim por ter derramado sangue em todas as camadas desse mundo. Bem, a lenda de Noyero é uma das minhas favoritas. Existem diversas outras como a do grande “Torun”, que desafiou os deuses. Tornou-se uma lenda entre os minotauros quando outrora resistiu fortemente a um combate contra seu deus protetor na frente de uma platéia tão enorme que se perdia de vista. É sinônimo de bravura entre todos os guerreiros e combatentes nos dias de hoje. Como eu disse, são apenas lendas, e eu, Sharpedo, trabalho registrando essas histórias bonitas nos livros para que outras pessoas possam ler e encher seus peitos com a mesma sensação que eu fico ao lê-las. 

Meu avô, Lukimus Dealexus VIII, foi o fundador da biblioteca onde também moramos. Ele é um yokay (como são chamadas as criaturas originais do Makay) ancião, e possui conhecimentos inimagináveis diante de tantos anos que viveu e aventuras que esteve. Ele mesmo escreveu, ou contribuiu de alguma forma, a finalização da metade dos livros que possuímos em nosso acervo. Do passado de nossa família, ele pouco falava, mas eu podia enxergar dentro de seus olhos o assombro de infinitos segredos obscuros que só esperam o momento de seu apogeu para serem esquecidos junto a sua alma. Diante de tantos fantasmas em seu passado, jamais deixou de ser um bom pai para mim. Nunca conheci meu pai de verdade, a única coisa que sei a respeito do mesmo é que o safado é um mercenário muito profissional e atua em camadas inferiores, bastante perigosas. Minha mãe morreu no meu parto. Meu avô disse que eu a comi assim que ela me deu a luz. Sou metade tubarão, oras, não fiz por maldade, mas sim por instinto.
      
Hoje é o dia da morte do meu querido avô, e da extinção dos segredos que ele, somente ele, guardava. Não sei bem como vou administrar o negócio da família, não sou bom com finanças, só sou bom mesmo com a organização dos livros. Talvez contrate algum administrador, existem muitos por aí, bons e baratos. Em breve farei umas viagens em camadas superiores repletas de mercadores, e espalharei alguns cartazes oferecendo o cargo. A tradição da família pede para que nossos corpos sejam jogados no mar, pois é a ele que nossa natureza animalesca da parte tubarão pertence. O funeral foi rápido, havia um ou dois curiosos, um clérigo e mais uns quatro frequentadores assíduos da nossa biblioteca. Não houve lágrimas ou discursos bonitos, apenas o corpo velho do meu avô afundando nas águas do rio K'rh'lx e sendo devorado por tubarões atrozes em seguida, nada que fugisse do comum em qualquer lugar do Makay. 

Tão rápido quanto nasceu o sol se pôs, e agora eu sinto uma agonia indescritível dentro do meu peito. Nossas vidas são realmente muito vazias. Eu costumo pensar que, apesar de nossa natureza mortal, todos temos a capacidade de se tornar seres imortais, assim como os deuses. Para isso, basta fazermos coisas grandiosas para o mundo, ou, em alguns casos, até mesmo causar calamidades e pragas que promovam a destruição. As criaturas só morrem quando são esquecidas, sendo assim o pobre do meu avô só sobreviverá até o momento em que eu der o meu último suspiro. E apesar de ter deixado um acervo enorme narrando fatos históricos que contribuirão para a construção de um Makay melhor no futuro, ele não passava de um meio-tubarão que escrevia, afinal, os heróis sempre levam os créditos, pois os holofotes da história estão sempre direcionados a eles. Pobre de mim, também, que quero seguir os passos dele, e preciso me acostumar com a ideia de que irei eternizar, quem sabe, o nome de muitos heróis que estão por nascer. Preciso lidar com o fato de que eu serei peça fundamental para o futuro através de meus livros, mas que ninguém dará a mínima para quem escreveu. Sinceramente, prefiro não pensar demais no futuro. Guardo no peito uma fagulha de esperança de que um dia os escritores terão o seu trabalho valorizado e contemplado, não pela narrativa e habilidades na escrita, mas sim por terem escolhido esse caminho, por terem dedicado a vida a levar o nome dos antigos para as eras futuras, pelos seus empenhos e esforços para buscar a verdade, pelos perigos que correram e os sacrifícios que fizeram em nome do amanhã.

Junto ao sol, adormeço.

*PAM-PAM-PAM* Batem de forma grossa na porta.

– Sharpedo!! Acorda!! – uma voz diferente das que costumo ouvir grita do outro lado da biblioteca.

          Seja lá quem for, deve estar com muita ânsia em ler, afinal de contas, a biblioteca só é aberta uma hora depois que o sol nasce, e o mesmo só nasceria daqui a duas horas. Abro a maldita porta e dou de cara com um humano de pele morena (não havia muitos humanos nessa camada, o que foi um fato muito estranho), seu cabelo era de um branco acinzentado e grisalho, meio rastafári; sua roupa era simples, trajava uma camisa de algodão e uma calça de algum material selvagem que lembrava muito um aglomerado de folhas, algo que nunca havia visto antes; em sua cintura havia um suspensório, o qual abrigava uma espada média simples, e, atrás dele, algo parecido com uma mula. Oras, se portava uma espada, era um guerreiro, mas se era um guerreiro, porque vestia roupas tão simples? Nunca vi muitos guerreiros pessoalmente, mas eles costumam usar trajes mais efetivos contra possíveis ataques. E onde estava o seu cavalo? Sempre imaginei um guerreiro com um cavalo, mas... Uma mula? Esse cara só poderia estar brincando comigo.  

– Senhor, só abrirei a biblioteca daqui a duas horas, mas suponho que esteja muito ansioso pela informação dos livros, e isso não poderei te negar. Portanto, pode entrar, mas não faça muito alarde, pois não tive um dos melhores dias e preciso descansar mais um pouco – respondi. 

O sujeito, com seus pés descalços e sujos de esterco (provavelmente da sua própria mula), entrou fazendo alarde e me abraçou de forma súbita. 

– Finalmente te encontrei, meu irmão!! – gritou, apesar de estar frente a frente comigo.

            Ok, eu não faço ideia da quantidade de irmãos que eu devo ter no mundo, afinal, ouvi boatos de que meu pai teria um filho em cada camada, mas... Ele não deveria ter barbatana no mínimo? Mas era um humano, era a droga de um humano! 

– Senhor, como poderia você ser meu irmão? Onde estão seus traços de tubarão? Muito suspeito, senhor. 

– Ah, Sharpedo, sempre cuidadoso... É incrível como você cresceu! Aposto que não se lembra de mim, assim como eu não fazia ideia de como você era pessoalmente, mas muito ouvi falar de ti. Um sujeito ''estudado'', que ama os livros. Diferente de mim, que abracei a espada como uma filha a quem amo muito. Apesar de sermos gêmeos, somos o oposto um do outro – e apertou-me mais forte ainda num abraço que quase me matou sufocado.

Mas como assim? O sujeito, homem, acaba de dizer que somos gêmeos. Homem. Tubarão. Homem... E eu, tubarão. Gêmeos? Não pude falar mais nada, fiquei em estado de choque. Aquilo foi a coisa mais aleatória que aconteceu comigo em toda a minha vida. 

 Bartholomeu'X Dealexo, mas pode me chamar de Barthô, meu irmão. Preciso descansar, e a Srª Relâmpago Bravo da linhagem das mulas de Sangue Vermelho do Inferno também. 

Como estava em estado de choque ainda, abriguei os dois em um quarto no subsolo (sim, ele fez questão de dormir junto com sua mula) e providenciei um café da manhã para o desjejum de meu novo irmão gêmeo.

O sol nasceu, e a comida já estava pronta. Modéstia a parte, já li muitos livros de culinária, e possuo certos dotes na cozinha. Preparei pão com molho de Fungos Rosê-selvagens-infernais, uma iguaria encontrada em camadas exóticas próximas do que chamamos de ''garganta'' (última e mais profunda camada do Makay). Esse fungo foi descoberto por Torin, que também era guerreiro e escritor. Foi descoberto por acidente enquanto caçava bois. Enfim, conversamos um pouco, contei sobre o falecimento de nosso avô, o qual não chegou a conhecer e falei um pouco sobre minhas atividades na biblioteca. 

– Então você precisa, no momento, de um administrador? – perguntou Barthô.

– Exatamente, meu irmão humano. Não sei como vou lidar com as finanças, sou péssimo nisso – respondi.  

– Inheeerrr – relinchou a mula, que estava sentada na mesa conosco.

 Estou mesmo preocupado é com os gastos da viagem, preciso me cadastrar em algum programa de frotas comerciais. Como acompanhante mesmo. Uma forma segura de viajar entre camadas. Muitos guerreiros costumam fazer escoltas dessas caravanas, mas costumam ser caras – desabafei. – E, de fato, não queria que o negócio da família falisse, mas também não queria perder minha vida me aventurando por camadas infestadas de assassinos, ladrões e criaturas que só pensam em destruir e arrancar os olhos dos viajantes. 

– Bobagem, meu irmão! – exclamou Barthô. – Apareci no momento certo, então. Eu estava há muito tempo curioso em lhe conhecer, e não pretendia lhe incomodar por muito mais tempo. Sou um aventureiro, e por coincidência, estava indo entregar um material por aquelas bandas. Então, eu mesmo farei a sua escolta, o que me diz? 
Olha, sinceramente, com todo o respeito, eu não engoli essa história de ele ser um guerreiro. O sujeito montava uma mula e nem armadura tinha. E, principalmente, fedia a estrume de vaca (e sempre arrumava uma desculpa perfeita quando eu oferecia um banho para ele). Eu prezo muito por minha vida, e não iria aceitar de jeito nenhum a oferta daquele homem.

– Irmão, é com pesar que recusarei a sua oferta. Eu prefiro esperar mais um pouco, espalhar uns cartazes pela região só para ver no que dá – respondi.

Ele insistiu mais um bocado, mas a vida de um homem vale mais do que uma aventura que pode se tornar uma desventura maldita da qual não faço questão de participar. Terminamos o desjejum e logo em seguida abri as portas da biblioteca. Meu irmão, Barthô, resolveu descansar um pouco junto a sua fiel companheira, Srª Relâmpago Bravo. 

O dia parecia estar como todos os outros, e estava, de fato, igual a todos os outros. Havia uma grande janela atrás de meu gabinete, a qual eu adorava admirar a bela paisagem do rio K'rh'lx, a movimentação dos poucos Yokays camponeses da região e o enorme verme púrpura que de tão enorme poderia abocanhar uma montanha se quisesse. CARAMBA! UM VERME PÚRPURA! Um verme púrpura é uma criatura enorme, semelhante a uma minhoca, só que pode atingir tamanho colossal. É capaz de perfurar qualquer coisa, até as rígidas e quase impenetráveis rochas que separam as camadas. Devora e destrói qualquer coisa em seu caminho, incluindo bibliotecas alheias. Imediatamente pensei em procurar um abrigo, mas não existem abrigos capazes de proteger você de um verme daquele tamanho. Corri feito um louco até os aposentos de meu irmão para alertá-lo, mas ao chegar La, nem ele, nem sua mula estavam no local. 

– Não acredito, aquele idiota que se acha guerreiro deve ter ido lá fora. Preciso salvá-lo – pensei.

Mas eu sou apenas um escritor, o máximo que poderia fazer seria escrever uma carta pedindo para que o verme gigante deixasse educadamente nossa camada em paz. Perdi o meu avô ontem e não queria perder outro parente meu. Saí imediatamente, deixando me levar pelos sentimentos.

Enquanto isso, o verme púrpura parecia estar atordoado com alguma coisa. Havia deixado um buraco enorme no chão, de onde tinha saído. Era tão enorme que de muito longe se podia ver o tamanho da cratera aberta pelo grandalhão. Não é muito comum que essas criaturas subam às camadas mais elevadas. Quando o fazem ou estão fugindo de algum outro bicho maior, ou estão com muita fome. De qualquer forma, ele estava indo na direção de nossa pequena cidade. Alguns Yokays se armaram com lanças, arco e flechas, tochas e até uma balista de guerra que um ferreiro havia guardado de lembrança dos seus tempos de guerra. Mas nada daquilo poderia parar aquela coisa. Faria, no máximo, cócegas na criatura. 

De repente, uma voz grita ao longe:

– Cidadãos, não temam, pois eu irei salvá-los – gritou um homem moreno, em cima de uma mula.

Era o meu irmão gêmeo. Fiquei aliviado em tê-lo encontrado, mas não acreditei que o infeliz disse aquilo na frente de todos. Comprometeu-se em matar um verme púrpura colossal com a sua espada média. Imediatamente as pessoas direcionaram seus olhares àquele humano desconhecido, e depositaram, todos, suas confianças nele. Fui ao seu encontro e sussurrei de modo que ninguém percebesse:

 Irmão, vamos dar o fora daqui! Você é maluco?

– Afaste-se, Sharpedo – gritou.

Ele e sua mula saíram em disparada ao encontro da besta, que também se aproximava da cidade. Toda a área selvagem era destruída conforme sua aproximação, e viam-se muitas aves, animais e outras criaturas apavoradas, fugindo, vindo em direção à cidade em forma de arrastão. Era um cenário de caos. Apesar do clima de destruição, Barthô e sua mula agiam de forma natural, e, após se distanciarem de todos, pararam. Ele desceu de seu animal, ergueu sua espada em uma posição onde mirava de maneira mortal a criatura, e ali parou. 

As pessoas gritavam ao derredor. Uns o chamavam de louco, outros de salvador, e eu clamava a todos os deuses por sua alma. A criatura se aproximava cada vez mais rápido, atropelando tudo em sua frente, incluindo os animais e feras que fugiam de sua presença aterrorizante. Ela investiu contra Barthô, que parecia uma formiga diante de seu tamanho, e quando estava a poucos metros de meu pobre irmão, ele saiu de sua posição e levantou a espada para deferir seu primeiro, único e talvez último golpe. Fechei os olhos. 

''Viva! Viva!! A criatura morreu!!'' Ao ouvir aquilo meu coração acelerou. As pessoas ao redor comemoravam, estavam salvas. Abri os olhos, e vejo meu irmão na mesma posição, e, à sua frente, o verme púrpura caído no chão. O monstro nem chegou perto o suficiente dele. Como ele poderia ter feito aquilo? Em seguida, montou em sua mula e veio em nossa direção. Foi recebido com graças e louvores. Consideravam-no um Rei.

– Irmão, você pode me explicar o que houve? – perguntei.

Antes que ele pudesse me responder, algo estranho aconteceu. A terra começou a tremer, e o verme que estava no chão começou a se contorcer, como se estivesse morrendo de dor. Dessa vez não teve jeito, ele estava perto demais, e iria destruir tudo. Todos começaram a correr para salvar seus pertences e como se não pudesse ficar ainda pior, algo ainda mais inesperado aconteceu: o verme começou a entrar em combustão.

Ninguém sabia ao certo como aquilo era possível, comecei a achar que meu irmão era algum tipo de entidade demoníaca por ter feito aquilo. O verme estava pegando fogo. Fogo! Imaginem uma montanha, a mais alta que vocês puderem imaginar, agora, imaginem essa montanha pegando fogo. Então, era o que estava diante de nós. A fera estava morrendo, mas em chamas. E certamente o fogo iria se espalhar e toda a camada seria destruída em questão de segundos. Não teve jeito, subi em cima da mula junto a meu irmão, e partimos para o mais longe dali. Gostaria de ter salvado a todos, mas não podia... Todos aqueles Yokais iguais a mim, minha raça, minha biblioteca, minha vida, agora em chamas. Partimos em disparada para a próxima camada. O calor ficava cada vez mais forte, que me fez ficar exausto e desmaiar. Nos meus últimos segundos jurei ter visto um homem minúsculo ao longe em cima da criatura que pegava fogo. Ou era um demônio. Ou um monstro. Tanto faz, era uma miragem. Apaguei.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

INTRODUÇÃO

Dentro de todos os acidentes que os deuses costumavam classificar como suas criações pré-planejadas, um deles foi a formação do Makay. Tratava-se de uma construção cósmica de tamanho imensurável. Diferente de um planeta, sua forma se assemelhava mais a de uma cadeia de D.N.A., ou um furacão. Era largo em sua ponta e ia ficando cada vez mais fino até a sua base. Era tão extenso, mas tão extenso, que conta-se nos dedos as criaturas que percorreram todas as suas CAMADAS. Exatamente isso que você, aventureiro, acabou de ler: camadas. Sua divisão não se dava por países, ou continentes, ou grandes oceanos. O Makay era dividido por camadas. Cada camada abrigava uma espécie diferente de clima, geografia e cultura. Era um lugar habitado por todo o tipo de criatura: Gnomos, duendes, fadas, demônios, elfos, dragões, humanos e esporadicamente servia de moradia a criaturas de outras dimensões. E como em qualquer mundo, já foi cenário de muitas guerras, destruição, vitórias e milagres. 





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